FONTES RENOVÁVEIS & EMISSÃO DE GASES DE EFEITO ESTUFA


No contexto da gestão corporativa de emissões de gases de efeito estufa (GEE), o consumo de energia advinda de fontes renováveis emerge como uma das principais questões na discussão sobre estratégias de redução de emissões e de eficiência energética
Por outro lado, as empresas ainda enfrentam dificuldades metodológicas na hora de contabilizar em seus inventários as emissões de Escopo 2 – aquelas provenientes do consumo de energia elétrica.  Isso porque o fator de emissão utilizado para essa contabilização é o do Sistema Interligado Nacional (SIN), feito a partir de uma metodologia que congrega todas as fontes geradoras que lançam energia no grid mas que não distingue fontes renováveis e não-renováveis (fósseis). Ou seja, as empresas que consomem energia renovável e utilizam o fator de emissão do SIN para calcular suas emissões de Escopo 2 no inventário possuem um problema metodológico sério, pois as informações obtidas acabam não representando a realidade das emissões destas organizações.
Nesse sentido, o Programa Brasileiro GHG Protocol criou um grupo de trabalho (GT) com a proposta de debater formas e instrumentos para que as empresas brasileiras possam relatar de forma mais justa e coerente as suas emissões advindas do consumo de energia renovável no Escopo 2 de seus inventários. “Queremos pensar em como incentivar as empresas a comprar energia renovável direta, como beneficiá-las por isso e como refletir essa ação em seus inventários corporativos”, afirmou Beatriz Kiss, coordenadora do Programa Brasileiro. Os participantes do GT se reuniram no último dia 11 para debater estes temas, com a participação da Dr.ª Elbia Melo, presidente executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEOLICA) e especialista em regulação e mercados de energia elétrica.
Comércio de energia no Brasil
O Brasil possui um sistema elétrico grande e complexo, principalmente sob o ponto de vista da transmissão de energia: as principais unidades geradoras de energia elétrica estão espalhadas por todo o país, e estão interligadas a partir de uma rede nacional que transmite a energia gerada para os polos consumidores nas cidades. Essa rede nacional, o SIN, foi criada com o propósito de otimizar a produção de energia no país, centralizando as decisões de geração no Operador Nacional do Sistema (ONS).
O ONS toma as suas decisões com base num modelo de otimização da produção de energia, priorizando questões como custo e disponibilidade de recurso - e é exatamente por isso que o sistema brasileiro se sustenta majoritariamente na fonte hidrelétrica, explica Elbia Melo. “O sistema valoriza as fontes que são mais abundantes e baratas, e por isso a fonte hidrelétrica acaba operando na base desse sistema: o recurso para a geração está disponível na natureza e o custo de curto prazo da água é igual a zero”. Além do custo de curto prazo, o sistema também considera o custo de oportunidade da água, a partir de um modelo matemático que calcula e precifica a utilização do recurso da água e a sua disponibilidade futura para produção de energia.
Do ponto de vista do mercado, existem dois tipos de consumidores: os regulados ou cativos (70% do mercado), que não possuem opção de escolha na compra da sua energia, e os livres, que possuem esse poder de escolha (30%). Tanto consumidores regulados quanto livres compram a sua energia no mesmo sistema, com contratos registrados na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), que serve como um operador financeiro do sistema. 
As distribuidoras, que representam os consumidores regulados, compram a sua energia em leilões oficiais. “Antes de cada leilão, as distribuidoras mandam informações sobre a demanda prevista de eletricidade para a ANEEL [Agência Nacional de Energia Elétrica], que depois informa a CCEE, que é a responsável pelos leilões”, explicou Elbia. Já os consumidores livres não participam de leilões, comprando a sua energia diretamente da geradora ou de uma comercializadora.
Os avanços da fonte eólica
A fonte eólica vem ganhando relevância na estratégia de produção de energia elétrica no Brasil, especialmente desde o primeiro leilão de energia eólica, em 2009. Se a sua representatividade atual na matriz elétrica brasileira ainda é baixa (capacidade instalada de 2,5 GW no final de 2012, cerca de 2% da capacidade nacional), a expectativa é que nos próximos anos o seu peso dentro do quadro geral nacional aumente, com a conclusão de parques eólicos construídos a partir dos contratos firmados nos diversos leilões de energia eólica realizados desde 2009. “Olhando em termos globais de capacidade instalada, o Brasil é o oitavo em investimentos, e certamente está entre os cinco primeiros em aumento da capacidade instalada”, defendeu Elbia. Segundo a presidente executiva da ABEEOLICA, espera-se que a capacidade instalada de fontes eólicas no Brasil chegue a 5,9 GW no final de 2013 e a 8,8 GW em 2017.


O aumento do volume de investimentos, o avanço tecnológico e o barateamento de custos de produção e do preço da energia eólica evidenciam que esta fonte pode ser confiável para a matriz elétrica brasileira. O Brasil é o único mercado de energia em que os preços da fonte eólica não dependem de subsídios, sendo definidos livremente pelo mercado. Para Elbia Melo, um indicador dessa robustez da fonte eólica está no fator de capacidade (relação entre o potencial nominal e a geração efetiva de energia) apresentado pelos equipamentos de geração de energia eólica. “Na média, a fonte eólica apresenta 45% no Brasil, acima do fator de capacidade apresentado pela fonte hidrelétrica brasileira (32%), e em 2012 chegamos a apresentar 71%, o dobro da média global (35%)”.
Além do aspecto da geração de energia, a fonte eólica também tem um importante aspecto socioeconômico. Primeiro, ela evita a emissão de um volume relevante de CO2 (no Brasil, cerca de 100 mil toneladas de CO2 mensais foram evitadas em 2012). Segundo, ela gera em média 15 novos postos de trabalho para cada MW instalado, distribuídos em toda a sua cadeia. E terceiro, ela convive facilmente com outras atividades econômicas no mesmo local. “A fonte eólica é a única fonte de geração de energia que não é excludente: as regiões não precisam abrir mão de suas atividades para instalar um parque eólico, e contribui para a fixação do homem no campo e na distribuição de renda local”, defendeu Elbia.
E para incentivar o consumo de energia renovável por parte de grandes consumidores de energia, a ABEEOLICA, em parceria com a ABRAGEL (Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa), está trabalhando na criação de um certificado de energia renovável, que permite ao consumidor livre comprar energia certificada, advinda de projetos devidamente verificados, com um selo associado à fonte que poderá ser utilizado em produtos e serviços desses consumidores.
Complementariedade das fontes renováveis e net metering
Um aspecto importante que precisa ser considerado pelo governo na estratégia de geração de energia no Brasil é a complementariedade das fontes renováveis. As três fontes renováveis atualmente no mercado (eólica, biomassa e hidrelétrica) – sem contar com a solar, que ainda está em estágios anteriores de instalação no Brasil – possuem uma complementariedade importante que pode contribuir para o desenvolvimento de um sistema robusto de geração de energia que não dependa tanto de usinas termelétricas. “O governo brasileiro possui um discurso forte de segurança energética, e as fontes renováveis podem fazer parte do caminho para dar segurança ao nosso sistema elétrico a partir dessa complementariedade”, defendeu George Magalhães, pesquisador do GVces e do Programa Brasileiro.
E um caminho para aproveitar a complementariedade das fontes renováveis, especialmente para os consumidores livres, pode estar nas mudanças recentes aprovadas pela ANEEL sobre smart-grid e net metering. A resolução normativa Nº 482/2012 da ANEEL, aprovada no ano passado, permite a geração de energia por parte de consumidores finais para consumo próprio, além de autorizar o lançamento dessa energia gerada para o sistema de distribuição e a compensação por parte da distribuidora. “Se somarmos o net metering com as possibilidades de uma rede inteligente de distribuição, podemos vislumbrar a geração de energia dentro das residências, algo que já é realidade em alguns países”, aponta Elbia Melo.


Fator de emissão para consumo de energia renovável
O consumo de energia renovável já é uma realidade para diversas empresas brasileiras, como uma estratégia de redução das emissões associadas ao Escopo 2 de seus inventários. No entanto, persiste o desafio metodológico de como calcular um fator de emissão que reflita a realidade das emissões advindas do consumo de energia por parte dessas empresas. Por exemplo, o fator de emissão do SIN, comumente utilizado por organizações para mensurar as emissões associadas ao consumo de energia, não permite selecionar as fontes a serem consideradas em seu cálculo. Para complicar, a metodologia de cálculo do fator de emissão do SIN não é publicamente divulgada pelo MCTI.
“Pensemos em um grid, com diversas fontes geradoras e os consumidores: todas as fontes entregam a sua energia para o mesmo sistema, que faz a distribuição para os consumidores, que por sua vez não conseguem diferenciar qual é a fonte geradora da energia elétrica que eles consomem”, explica George Magalhães. Nesse caso, se todos os consumidores fizerem o cálculo a partir da média de todas as fontes geradoras e dividirem esse valor pela energia gerada em média, teríamos a totalidade das emissões necessárias para gerar aquela energia consumida, ou seja, o fator de emissão do SIN. “No entanto, temos uma limitação com relação aos geradores que utilizam o grid apenas para distribuir a energia, mas que geram e entregam toda a sua energia para apenas um consumidor – nesse caso, temos um problema metodológico: como ter um dado que expresse coerentemente a realidade das emissões”, aponta George.
Isso porque, geralmente, a energia renovável possui uma emissão associada muito baixa, e ainda que o grid brasileiro seja considerado limpo, as fontes renováveis têm um fator de emissão ainda mais baixo. Por exemplo, tanto a energia solar quanto a eólica não possuem emissões associadas à sua geração. Mesmo a biomassa (que emite metano e óxido nitroso na sua geração) e a hidrelétrica (que emite metano dependendo da existência e das condições de material orgânico no reservatório) conseguem apresentar um fator de emissão menor que o do SIN. Assim, não seria justo que os consumidores de renováveis utilizem o fator de emissão do SIN para mensurar as suas emissões no Escopo 2 do inventário. “O mais justo seria se ele (o consumidor) identificasse diretamente a fonte geradora que o está suprindo e calculasse o fator de emissão dessa fonte para poder reportar em seu inventário”, defendeu George.
Portanto, o desafio metodológico é como calcular o fator de emissão de fontes renováveis de energia, permitindo assim o relato coerente das emissões de Escopo 2 dos inventários corporativos. Alinhado a esse desafio, o GT de Energias Renováveis do Programa Brasileiro GHG Protocol propôs aos seus participantes pensar em formas de comunicar coerentemente as ações das organizações que estão fomentando e comprando energia renovável, e apoiar o ajuste para um cálculo correto do fator de emissão do SIN, no sentido de definir uma posição das empresas membro neste tema. 
Proposta para o relato de emissões em inventários corporativos
Na segunda parte do GT, os participantes se reuniram para discutir os principais entraves para que isso seja feito de forma coerente. Baseando-se nesses desafios, os membros do Programa Brasileiro GHG Protocol apresentaram propostas para o relato das emissões associadas à energia renovável.
As propostas apresentadas serão enviadas a todos os membros do Programa para que seja escolhida aquela mais coerente segundo o grupo de empresas. A proposta escolhida deverá fazer parte dos inventários dos próximos ciclos de publicação do Programa Brasileiro GHG Protocol.

Fonte: www.ghgprotocolbrasil.com.br/